

O anúncio pela China de que irá aumentar as barreiras comerciais contra produtos americanos, em retaliação ao aumento de alíquotas pelo governo Trump, pode levar a um aumento das exportações brasileiras para o gigante asiático. Por outro lado, alertam economistas, a venda de produtos agrícolas pelo Brasil, em contexto de preço dos alimentos em alta, pode agravar ainda mais a inflação no País.
Nesta terça, o Ministério das Finanças da China aplicou tarifas de 15% sobre importações de frango, trigo, milho e algodão dos EUA e tarifas de 10% sobre outros alimentos, incluindo soja e laticínios. Isso, minutos depois de entrar em vigor uma tarifa adicional de 10% contra produtos chineses, por parte dos americanos.
Para a economista Lia Valls, pesquisadora de Comércio Exterior da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a decisão da China e do Canadá de retaliarem os Estados Unidos pode abrir uma janela de oportunidade para as exportações brasileiras, já que o Brasil é um grande exportador de alimentos. “Mas não é algo mecânico”, pondera a economista, ressaltando que ainda é cedo para avaliar os reais impactos.
No passado, durante o primeiro mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, a China retaliou as ações de Trump e o Brasil ganhou mercado nas exportações de soja para o país asiático tomando fatias que eram dos EUA. O que se vê é que esse cenário poderia se repetir.
No entanto, a economista ressalta que há no momento outras variáveis que entram no quadro atual, como a inflação elevada no mercado doméstico brasileiro. “É preciso avaliar quais desses produtos pesam muito na cesta de inflação”, diz a economista, destacando que tudo vai depender do posicionamento do governo brasileiro em relação ao tema. Além disso, ressalta que os produtos agropecuários dependem da oferta que é mais abundante em períodos de safra.
A economista lembra que durante a visita ao Brasil de Xi Jinping, presidente da China, no final do ano passado, foram assinados acordos de facilitação de exportações para vários produtos para o país asiático. Entre esses produtos, estava o sorgo. O grão, utilizado para ração animal, é importado pela China dos EUA e agora está sendo retaliado pelo país asiático com tarifa de 15%. “Acho que para alguns produtos, eles (China) já estavam imaginando que seriam passíveis de retaliação.”
Em 2024, o Brasil exportou US$ 94,27 bilhões em produtos para a China, o que já representou 28% do total vendido pelo País ao exterior. Os produtos agrícolas representaram 36% desse total, gerando uma receita de US$ 33,94 bilhões.
Entre os 10 principais produtos vendidos pelo Brasil aos chineses, a soja lidera, com outros três produtos agrícolas na lista (veja tabela abaixo).
Na opinião presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, teoricamente o Brasil pode sair ganhando num primeiro momento com a retaliação da China, porque é um grande produtor de alimentos e tem capacidade rápida de entrega. “Mas não sabemos o que virá em seguida”, diz.
Castro observa que os dois grandes produtores mundiais de commodities agropecuárias são Brasil e Estados Unidos. O alinhamento do Brasil como supridor da China no lugar dos Estados Unidos pode ser interpretado pelos Estados Unidos como um apoio do País à retaliação chinesa e num segundo momento, o Brasil também virar alvo de represália dos EUA. “Tudo pode acontecer, o mundo está ficando de cabeça para baixo”, diz Castro, frisando que o comércio mundial sentirá os impactos.
Segundo Castro, outro foco de preocupação que pode tornar a oferta mundial de alimentos mais problemática em tempos de inflação de comida em alta é ação dos Estados Unidos em suspender a ajuda militar a Ucrânia. “A Ucrânia é um grande exportador de alimentos (grãos) e isso pode ter reflexos na oferta mundial”, diz o presidente da AEB.
México e Canadá podem ser atraídos pelo Mercosul
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da Barral Parente Pinheiro Advogados, diz que o Brasil pode ampliar exportações de soja para a China, e México e Canadá também podem se interessar por abrir negociações com o Mercosul.
“De um lado tem a hipótese de que a retaliação chinesa contra os Estados Unidos possa beneficiar exportações brasileiras, principalmente porque os chineses já falaram que acharam contaminantes na soja americana. E isso deve derrubar as exportações dos EUA para lá”, diz. “A outra questão é eventualmente interesse do México e Canadá. Isso pode abrir espaço para exportação brasileira para esses países. Talvez ele possam se interessar por abrir negociações com o Mercosul”, afirmou.
Sobre os efeitos na inflação brasileira, em caso de aumento da nossa exportação, Barral diz que é preciso analisar produto a produto, mas lembra que nossas exportações são baixas, quando comparadas ao consumo interno.
“Teoricamente diminuiria a oferta no Brasil, mas não necessariamente, porque o porcentual da exportação brasileira é muito pequena. Muitas commodities como carne e frango, grande parte é para consumo nacional, então teria que analisar caso a caso, ou seja, cada produto”, afirmou.
Para o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners e especialista em inflação, a guerra comercial vem em mau momento para a inflação de alimentos no Brasil. Se, por um lado, o aumento das exportações para a China pode favorecer a nossa balança comercial, por outro, pode reduzir a oferta de produtos internamente, pressionando os preços.
“A oferta de alimentos no Brasil vem passando por problemas pontuais que vem afetando a inflação. Se a esses problemas de oferta se somarem questões de demanda externa poderemos ter um prolongamento da alta nos preços dos alimentos, principalmente daqueles da cadeia de proteína”, afirmou.
Para Leal, o efeito líquido para a inflação é negativo, mesmo que haja maior entrada de dólares no País pelo aumento das exportações. O momento, no entanto, ainda é de esperar para ver, já que é preciso aguardar a implementação efetiva das medidas.
“O aumento do fluxo cambial decorrente do aumento das exportações, provavelmente não reduzirá o impacto, uma vez que seria compensado pelo aumento do risco no mercado internacional. Ainda estamos na fase das ideias, temos de ver como isso vai ser implementado, ou não”, explicou.
Roberta Cáceres com informações de A Crítica.