Na primeira viagem ao Brasil desde que foi eleito, o presidente da Argentina, Javier Milei, ignorou o protocolo dos chefes de Estado ao não se encontrar com Luiz Inácio Lula da Silva e tratou como “perseguido judicial” o principal adversário do petista, Jair Bolsonaro, seu aliado político e indiciado pela Polícia Federal pelo esquema de desvio de joias do acervo presidencial. Milei chegou a Balneário Camboriú (SC) no sábado, recepcionado pelo ex-mandatário e pelos governadores Jorginho Mello (PL-SC) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), e participou ontem de um congresso conservador. No discurso, não mencionou diretamente Lula, mas atacou governos de esquerda na América Latina.
A relação entre os dois presidentes está estremecida desde a campanha do argentino, que fez reiterados ataques ao brasileiro. Na última semana, ele chamou Lula de “corrupto” e cancelou a ida à Cúpula do Mercosul, no Paraguai, para participar da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), em Santa Catarina. O Itamaraty aconselhou Lula a não responder, mas observou com atenção os passos do presidente do país vizinhos, caso uma nova escalada acontecesse.
Milei entrou no palco por volta das 17h, e foi recebido com aplausos e gritos de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”. Ele agradeceu a recepção de Bolsonaro e disse que se sente “em casa e é sempre bom estar entre amigos”.
— Olhem o que aconteceu na Venezuela e na Bolívia em 2019, quando Evo Morales se obstinou com um terceiro mandato inconstitucional. Olhem a perseguição judicial que sofre o nosso amigo Jair Bolsonaro aqui no Brasil e o que está acontecendo na Bolívia agora mesmo; estão dispostos a montar um falso golpe de Estado — disse.
Pela manhã, o argentino se reuniu com empresários e políticos de direita. Ele foi a principal atração do evento, inspirado na conferência homônima organizada nos EUA desde a década de 1970, e trazida ao Brasil pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A conferência deste ano foi chamada de “a maior da História” pelos organizadores e, além de Milei, contou com o chileno José Antonio Kast, que concorreu à Presidência do país; o ministro da Justiça de El Salvador, Gustavo Villatoro; e o ministro da Defesa da Argentina, Luis Alfonso Petri.
Sem plano B
Ao longo do evento, os palestrantes trataram Bolsonaro como única opção e reiteraram que os apoiadores não devem pensar em plano B, mesmo em um momento em que governadores aliados já se colocam como pré-candidatos. O próprio ex-presidente falou em uma possível “mudança de composição” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na atuação do Congresso como caminhos para reverter sua situação jurídica — Bolsonaro está inelegível até 2030.
A importância das eleições municipais deste ano também foi pauta frequente, inclusive com palestras ensinando como os pré-candidatos devem usar as redes sociais para se comunicar melhor e como devem adotar uma “cartilha bolsonarista” caso sejam eleitos, especialmente no Legislativo.
A pauta de costumes, por outro lado, ficou escanteada. Muitos participantes usavam adesivos com a frase “bebê não é monstro”, em referência indireta ao projeto de lei que equipara a interrupção da gestação a partir da 22ª semana ao crime de homicídio simples, mas a temática não foi central em nenhuma apresentação. Pedidos de anistia aos condenados pelo 8 de janeiro, defesa do amplo acesso a armas e críticas à imprensa foram outros assuntos abordados com frequência.
Se os discursos no CPAC enfatizaram a predominância de Jair Bolsonaro como a grande liderança da direita e única opção para 2026, entre o público ficou claro que há espaço para outros nomes brilharem. Tarcísio de Freitas foi um dos mais tietados dentro e fora da convenção. Conseguir uma foto ou aperto de mão dele foi motivo de emoção para o público, e na manhã do domingo, dezenas de pessoas que se aglomeravam em frente ao hotel onde ele e outros bolsonaristas se hospedaram o cumprimentaram com “parabéns pelo trabalho” e “nosso futuro presidente”.
Outro nome que angariou fãs foi o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Jovem, com forte presença nas redes e discurso evangélico, é um dos principais nomes do bolsonarismo e foi aplaudido ao falar da trajetória de Bolsonaro. Mas foram muitas as “celebridades” da conferência, e se formaram imensas filas para tirar fotos com figuras como os deputados federais Ricardo Salles (PL-SP) e Mário Frias (PL-SP), o filho 04 de Bolsonaro, Jair Renan, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Fonte: O Globo