[ad_1]
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara mudanças nas regras do setor elétrico. O objetivo é reduzir a tarifa de energia do país, uma das mais caras do mundo.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, promete uma reforma há meses e a cita com frequência. Ainda em outubro, chegou a dizer que ela estava pronta.
Embora ainda não tenha formalizado a proposta, o governo deixa claro que um dos principais alvos da reforma é o mercado livre, ambiente de negociação em que empresas podem comprar energia diretamente dos geradores, em geral por preços mais baixos.
O governo também pretende mexer com os encargos e subsídios que encarecem a conta de luz do mercado regulado, também chamado de cativo. É nele que está a maioria dos consumidores, obrigados a comprar energia das distribuidoras locais.
Entre outras coisas, esses “penduricalhos” sustentam a geração de energia por combustíveis fósseis em sistemas isolados e também bancam incentivos concedidos a energias renováveis e à geração distribuída.
Em dezembro, fazendo referência aos governos dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), Silveira disse que nos últimos seis anos “o Executivo perdeu a mão das políticas públicas do setor energético brasileiro”, e que o governo Lula busca retomar o comando.
A ideia de mexer nas regras para baixar a conta de luz faz lembrar uma medida provisória editada em 11 de setembro de 2012 pela então presidente Dilma Rousseff (PT). O objetivo da MP 579 era derrubar as tarifas em 20% por meio da renovação antecipada de concessões. Mas o efeito do pacote sobre o setor – em especial a Eletrobras, então estatal – foi tal que aquele dia ficou conhecido como “o 11 de setembro do setor elétrico”. O voluntarismo não impediu um forte aumento nas tarifas nos anos seguintes.
Lula diz que “povo pobre paga a conta dos mais ricos”
O presidente Lula tem repetido que não acha justo as famílias pobres pagarem mais caro pela conta de luz. Ele se refere ao modelo do mercado livre de energia, que adota benefícios diferenciados para quem compra energia direto do gerador. Até pouco tempo atrás esse sistema era acessível apenas a empresas de grande porte, como indústrias, e neste ano foi aberto para pequenas e médias empresas.
“É justo o rico pagar menos do que o pobre? É justo você pagar metade do que você ganha de energia elétrica em um país que produz muita energia? O governo vai ter que se debruçar no começo do ano e vamos resolver esse negócio da energia, porque o povo pobre e trabalhador não pode continuar pagando a conta dos mais ricos nesse país”, disse Lula em dezembro.
A declaração repercutia números citados pelo ministro de Minas e Energia para comparar os mercados livre e regulado. Disse o ministro na época: “Temos 90 milhões de unidades consumidoras no Brasil, sendo que 3 milhões estão no mercado livre e 87 milhões recebem na sua casa a conta de energia e pagam a distribuidora. Esses 3 milhões pagam a energia em torno de R$ 250 por megawatt-hora e o restante paga em média R$ 650”.
Não existe previsão legal de abertura do mercado livre para todos os consumidores, incluindo residências, mas essa é uma expectativa que o setor alimenta há muitos anos. Em 2022, no governo Bolsonaro, o Ministério de Minas e Energia chegou a apresentar uma minuta que previa a abertura completa até 2028, mas a questão não avançou desde então.
A julgar pelas declarações públicas de Lula e Silveira, a extensão do mercado livre para todos os consumidores não vai ocorrer tão cedo. Ainda em maio, o ministro disse em audiência no Senado que “a abertura do mercado tinha que ser mais criteriosa para ser mais justa”.
Mesmo sem abertura total, já existe um forte movimento de migração de consumidores do mercado cativo em direção ao livre, que já responde por aproximadamente 40% de todo o consumo de energia do país.
Enquanto no cativo o cliente banca todos os encargos do setor, o consumidor livre não participa do rateio dessa conta. E, com a negociação direta com a geradora, o consumidor pode economizar cerca de 30% na conta de luz, em alguns casos.
A estimativa é de que a abertura para médias e pequenas empresas, em vigor desde janeiro, leve para o mercado livre aproximadamente 100 mil clientes corporativos, com contas mensais entre R$ 10 mil e R$ 60 mil.
Se por um lado essa migração facilita a vida de muitas empresas, por outro acaba levando a um aumento desenfreado na conta de luz de quem continua – na maior parte dos casos, por obrigação – no mercado regulado. É um movimento que parte do setor apelidou de “espiral da morte”.
O professor Nivalde de Castro, coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel/UFRJ), explica que, à medida que mais consumidores migram para o mercado livre, menos ficam para pagar a conta de encargos e subsídios. Assim, cada um deles pagará cada vez mais caro.
“A conta aumenta para quem fica no mercado cativo, porque o custo fixo é dividido por menos pessoas, conforme os demais migram para o mercado livre”, diz o especialista.
Subsídios pagos pelo consumidor convencional chegam a R$ 37 bilhões por ano
Neste ano, cerca de R$ 37 bilhões em subsídios serão pagos pelos consumidores no mercado cativo. O peso na tarifa será equivalente a 14%, segundo cálculos do “Subsidiômetro”, ferramenta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Rafael Herzberg, sócio-diretor da consultoria de energia Interact, lembra que, além desses encargos, o brasileiro ainda paga pelo rombo causado pelos chamados “gatos” – isto é, roubo de energia. Segundo ele, cerca de 30% do que o consumidor paga não é de energia usada por ele e serve para bancar os subsídios e “gatos”.
Por isso, a conta de luz do brasileiro encarece a cada ano, diz. Mesmo que o custo da geração de energia venha diminuindo nos últimos anos, a conta para o consumidor convencional só aumentou – do início de 2020 ao fim de 2023, a energia elétrica residencial ficou 17% mais cara, em média, segundo a medição do IPCA, do IBGE.
Os subsídios do setor estão concentrados na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo pago pelos consumidores de energia elétrica. Ele foi criado para financiar o acesso universal à energia, desenvolvimento energético e de fontes renováveis. É desse fundo que o ministro Alexandre Silveira já sinalizou que o governo pretende reduzir custos.
Em 2023, os maiores encargos do CDE, segundo o Subsidiômetro, foram com Custo de Consumo de Combustíveis (CCC), cujo gasto foi superior a R$ 10,3 bilhões. Essa verba é usada para gerar energia em regiões remotas que não estão interligadas à rede nacional de energia elétrica e precisam de centrais térmicas independentes.
Em seguida, as maiores despesas foram em subsídios com fontes incentivadas (em geral, renováveis), com R$ 10 bilhões, e geração distribuída, com R$ 7,1 bilhões. Na geração distribuída entram, por exemplo, os subsídios para a geração de energia por painéis solares que muitos brasileiros têm em suas residências.
A Fase Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) estruturou uma Agenda para Aprimoramento do Setor Elétrico Brasileiro (SEB) em 2022, alegando que o ciclo de incentivos atuais é insustentável. Segundo o levantamento, a previsão é de que os encargos da CDE passem de R$ 40 bilhões até 2030.
O grupo de empresas do setor propõe minimizar os encargos e subsídios, acelerar a transição energética, concluir as iniciativas de abertura de mercado e atrair investimentos.
“A CDE se tornou impagável e causa uma espiral da morte: incentiva o consumidor a sair do ambiente regulado. Como quem fica paga uma conta maior, também tenta fugir. Se consegue, deixa a conta maior ainda para quem fica. É um movimento sucessivo”, disse Mario Menel, presidente da Fase, à Folha de S.Paulo.
Ministro fala em reorganizar “colcha de retalhos” do setor elétrico
O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse que o governo fará revisão dos subsídios, mas sem citar quais.
Na semana passada, o ministro Silveira defendeu a modicidade tarifária e sustentabilidade do setor elétrico durante reunião com entidades e associações do setor. Disse que o principal desafio da pasta é reorganizar a “colcha de retalhos” que o setor se tornou e equalizar a questão tarifária no país, protegendo os consumidores mais frágeis.
Uma medida sempre defendida por boa parte dos especialistas no setor seria mudar o financiamento de encargos e subsídios. Em vez de embuti-los na tarifa paga pelos consumidores, seria mais correto e transparente transferi-los para o Orçamento federal.
No pacote de mudanças, ventila-se também a possibilidade de remanejar recursos provenientes da privatização da Eletrobras, do Tesouro, para resolver um problema bastante específico: atenuar o reajuste das tarifas do Amapá, que pode chegar a 44%. O ministro Silveira vem prometendo uma medida provisória nesse sentido desde dezembro.
Mercado livre versus mercado cativo
Rafael Herzberg, da consultoria Interact, discorda que o mercado livre seja o problema. Para ele, em vez de atacar o modelo – que é mais recente e recebeu incentivos para começar a operar –, o governo deveria assumir os subsídios do mercado cativo que hoje recaem sobre o consumidor. Além disso, ele ressalta que as famílias mais pobres já contam com a tarifa social.
Na avaliação do consultor, o que o governo realmente deveria focar é na matriz dos problemas: “Vejo duas saídas. Uma é o governo embutir em seu orçamento uma verba de subsídios para que ele assuma, e não os consumidores. A outra é acabar com “gato”. É um problema de décadas. O problema não é o mercado livre crescer, mas resolver o todo”.
Para ele, a postura do governo afugenta investidores, que ficam expostos a uma insegurança jurídica. “O que um executivo vai falar para uma matriz nos Estados Unidos, Japão ou Europa quando tiver que escolher um lugar para investir e não souber dizer o que vai acontecer com o setor elétrico no Brasil? O que está em jogo é muito mais descobrir a estratégia para o setor elétrico”, diz.
Por outro lado, Nivalde de Castro, do Gesel/UFRJ, sustenta que os consumidores do mercado livre não levam consigo os custos que deveriam levar. Para ele, todos deveriam dividir a conta.
“A solução mais simples é: todo mundo paga tudo. Por que todos não pagam?”, questiona. “O subsídio é um verdadeiro “câncer”, porque está todo mundo jogado para o cativo via CDE. E como está baixando a régua, aí quem fica paga”, disse Castro.
[ad_2]
Acesse esta notícia no site do Gazeta do Povo – Link Original